A loucura da criação e a memória em mutação
- Sandra Castro
- 21 de jun.
- 2 min de leitura
Atualizado: 7 de jul.
Sandra de Pádua Castro nos guia por um passeio vertiginoso pelos bastidores da criação literária, transitando entre a radionovela, o romance e a ciberliteratura. Através da figura excêntrica de Pedro Camacho, personagem do romance Tia Júlia e o Escrevinhador de Mario Vargas Llosa, a autora nos convida a refletir sobre os limites entre loucura e invenção, esquecimento e memória, arte e tecnologia.

Pedro Camacho entrega-se a sua arte até romper os limites do que, na época, era nomeado como loucura: mistura novelas, tramas, personagens e tempos. O que parecia loucura em 1953, Sandra nos revela, tornou-se uma nova estética no final do século XX: o hipertexto, a literatura interativa, os nós rizomáticos desenvolvidos com a internet. Camacho, considerado um desajustado, era talvez um visionário — um escritor que criava mundos com as falhas da memória, como hoje fazemos com cliques, links e algoritmos.
Com delicadeza crítica e vigor poético, Sandra mostra que a criação literária sempre foi um esforço para escapar da solidão essencial do ser humano. Como dizia Flusser, inventamos a linguagem para esquecer que somos sós. A literatura é um dos meios desse esquecimento. Pedro Camacho envolveu-se com esse meio de tal forma a ponto de torná-lo um fim último e esquecer-se de si mesmo, cavando assim, mais ainda, a própria e natural solidão. Um gesto que pode revelar um grande perigo a todos nós — artistas, escritores, leitores da vida em rede.
Sandra então nos provoca: não seríamos todos, hoje, pequenos Camachos, misturando realidades em múltiplas telas, reescrevendo nossas histórias com cortes, colagens e bugs? A loucura que antes assustava tornou-se estética, e talvez por isso mesmo, a arte precise — mais do que nunca — de consciência, memória e afeto.



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